sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A Rosa e os Phótons


Sua companhia o encantou.
O último pedaço daquela pequena cidade se foi
como uma truffa mergulhada em cafeína.
A polaca dos olhos borrados se despediu
deixando rosas e pinceladas.
As reticências enfim ganharam sentido,
e o ébrio uma vez mais foi tocado
por olhos doces e encantadores
como os daquela guria.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Nossos roteiros

As pessoas quando estão longe, quando estão sendo vistas, quando estão caladas, parecem despertar um interesse maior. Naqueles momentos em que podemos vê-las em nossa maior intimidade, como por entre as grades de uma janela do alto de um prédio. Ao observarmos tais indivíduos sentados nas calçadas, quer dizer, realizando qualquer tarefa cotidiana, todos parecem mais dignos de participar de nossos roteiros.

O velho arrancando o mato de sua porta seria uma bela personagem, assim como aqueles outros ao redor do carro a limpá-lo em um domingo à tarde nebuloso. Assim, assemelham-se nossas vidas. A roteiros. Buscamos, constantemente, personagens e trilhas sonoras. Parecemos viver uma sucessão de temporadas a cada ano ou a cada mudança em nosso caminhar. Personagens saindo de cena, talvez por motivos contratuais, ou brigas de bastidores. Estas são bem mais frequentes.

O silêncio desses indivíduos, eles enquanto bonecos ajudando na marcação do palco, de fato me atraem. O silêncio maior, o do mar profundo. Lá é que se encontram as maiores personas. Os peixes, talvez, vivem uma existência de ensaios constantes e, quem sabe, ininterruptos. Nas profundezas, é onde se dá a maior das observações, ou ao menos, a mais contínua.

Fones de ouvido podem funcionar, adequadamente, como o calar oceânico às avessas. Mas podem funcionar. Quando todos se calam para nós, e a observação ganha um ritmo obsessivo, alcançamos a completude entre personagens e trilhas. Escolhemos arbitrariamente estas trilhas, e quem sabe os personagens também. As cenas (a entrada e saída dos restaurantes), (as construções no canteiro ao lado quando passamos), (o abrir e fechar da porta do condomínio), (o movimento nos caixas de supermercados e o repouso nas filas dos bancos)…

Enfim (e no fim), acabamos como personagens dos nossos próprios personagens. Participamos dos roteiros alheios. Havendo dessa maneira uma confluência de estórias. Uma realidade em que participamos e fazemos participar. Personagens de personagens.

enquanto o acaso não chega

tento, ultimamente, diminuir meus passos. caminhar de modo a sentir cada vibração produzida por cada pedaço de chão sob meus pés. ao mesmo tempo, busco maneiras de permitir a ação do acaso em meus dias, pôr de lado o costumeiro e quase necessário ato de avaliar as probabilidades. evitar as constantes especulações sobre fatos que estão por vir. ou não. “não tenho culpa do que ocorre em minha mente, elas simplesmente se encaixam, as informações!”, digo, numa tentativa de mostrar a quem interessa como se manifestam esses infelizes insights. caminhar. andar ainda se mostra como a melhor forma de conhecer. havia um que partilhava de processos cognitivos obsessivos como os meus. hoje ele se encontra distante, passa seus dias labutando no caribe.

uma saída me foi apresentada pela estudante milanesa de moda, o simples encontro já se mostrou como uma fuga, uma via. mirar o chão ao caminhar é sempre uma ótima alternativa ao conjunto de obviedades que estruturam nosso caminho. “tu fumas?”. talvez, preciso experimentar novas fugas. dar vez à lavanda acondicionada no frasco de plástico; novos livros; selecionar aleatoriamente alheios discos. ele já dizia que novas linhas, novas fugas são sempre bem vindas. preciso distrair-me.

sigo em direção a novas surpresas. a “não-surpresa” nos faz vítimas de domingos chuvosos, aqueles em que chove um dia inteiro em nossos corações. [dessa vez tenho um pé de jambo no meu quintal, ou terraço. poderei assistir mais atentamente ao cair de suas flores e de seus frutos. não há saída diante do dia do sol, a calmaria que ele traz é falsa, a única serenidade que possa existir se encontra nas ruas ou nos corredores dos condomínios. (ao menos a pluviosidade desses dias nos impede de tratar com aquele vendedor da loja de quadrinhos. maldito vendedor, que mais parece uma medonha árvore engolidora de pipas. espero que o jambeiro de nosso jardim não tenha essa mesma natureza. essa sabotadora e troçadora natureza.) a aguaceira traz muitas coisas, há uma espécie de macrocosmo em cada gota que desce dos céus. uns lamentam a interrupção dos dias chuvosos, outros parecem sentir lucidamente o recado por traz daqueles pingos. a chuva para estes adquire um caráter de presságio. e o resultado sob a malha celeste noturna, após um longo domingo chuvoso, só vem a dar um sinal indicativo com a cabeça a tais pré-sentimentos.]

apesar de tentar obstinadamente escapar destes dolorosos chuvosos através de minha imensa sala de ficheiros de probabilidades é justamente neles que caio. é o acaso?! há sempre uma última coisa a ser dita. alternativas para derrubar a pirâmide de cartas continuamente são encontradas.